MARAJÓ-ARQUIPÉLAGO À MARGEM DO TEMPO
"Caro Charone, como vai? Espero que bem.
"Caro Charone, como vai? Espero que bem.
Não concordo com tudo, brilhantemente escrito, porem com quase tudo."
Um grande abraço
Luiz Morais
O
arquipélago do Marajó é um pedaço de terra que se encontra à margem do tempo.
Sob todos os aspectos, o Arquipélago parece um daqueles casos previstos na
Teoria da Relatividade quando o tempo literalmente “para” enquanto o navegante
do espaço se encontra diante de certas condições. Porém, no Marajó, o caso é inverso.
Enquanto o mundo aumenta sua velocidade, a ilha retrocede para a velocidade do
cágado, abandona a perseguição ao progresso e se enclausura nas profundezas de
um ambiente de fumaça escura e tenebrosa. Detentora de índices de
desenvolvimento baixíssimos, atacada brutalmente por endemias acachapantes, seu
povo está mergulhado no Hades Grego (o inferno cristão), lutando
desesperadamente contra os maiores índices de malária, a dengue, as verminoses,
o tráfico de escravas e terribilíssimos casos de pedofilia. Situada a não mais
que 200 quilômetros da capital levam-se dois dias para atingir algumas das suas
mais importantes cidades. Casos há de locais onde um ser humano chega a cada
dois anos para descobrir famílias inteiras no estado da “pedra lascada”.
Durante o inverno a ilha submerge e se confunde com o Amazonas que a cobre de
todo, permitindo viajar de “voadeira” de leste para oeste da ilha. Nos verões
escaldantes, sobram somente milhares de filetes de água a escorrerem por entre
um deserto de argila seca, rachado pelo esturricante sol equinocial. Nesses
meses, a ilha se parece com a meninge araquinóide (de aranha) e seu deserto
aniquila rebanhos inteiros, trazendo o desânimo. É um caso marcante de
retrocesso. Há não mais que meio século o arquipélago era o grande fornecedor
de carne, palmito, açaí, leite e seus derivados para capital do Estado, cujos
moradores olhavam-na como o Paraíso Perdido de Adão e Eva. Para a engenharia, o
arquipélago é o maior dos desafios porque exige logística mais complicada e
dificultosa que a enfrentada por Napoleão Bonaparte no inverno russo. Anos são
gastos para implantar pequenos sistemas de abastecimento de água, constituídos
de um poço artesiano, uma caixa elevada sobre quatro esmirrados pilares e
alguns metros de tubos para a distribuição à um punhado de gente. Os recursos
não chegam à população e ficam indiferentes às “autoridades” confortavelmente
instaladas no ar condicionado de um ótimo salário. Parecem dizer: “dane-se a
população, porém mantenha-se a lei”. Como
imaginar que uma cidade como Breves permaneça anos a fio sem um pingo de água
para beber? Como aceitar que cidades
como Anajás tenha 80% da população atacada pela malária, por falta de
saneamento básico? A explicação está contida nos cálculos mais que esmiuçados
de “joelhos hidráulicos e tês de uma polegada” e outras bugigangas que se
compram por um tostão. Para leva-los até lá, custam o olho da cara, porém, é
lei e não se paga transporte. Para um morador
que vê de perto, isso é mesmo “a lei do cão”, literalmente. Evidentemente que o
arquipélago necessita de tratamento diferenciado, do tipo que se fez para as
construções da Copa. Faz três décadas um presidente da república anunciou a
descoberta de petróleo na ilha, quando, na realidade, furou-se 3 mil metros de
sucessão de lama, areia, lama, areia. Sem o óleo e sem turismo, a Ilha
mergulhou novamente no estado letárgico. Agora aparece um plantador de arroz
expulso de suas terras que as deixou para índios com máquina fotográfica.
Anuncia produção excelente naquelas terras molhadas. Não demorará aparecerão os
ambientalistas para lhes cortar os ânimos, para destruir-lhe o capital e seus
empregos à população local. Se isso acontecer, igualar-se-á ao destino do bravo
e sonhador Orellana que morreu lutando contra os índios canibais da Ilha
Mexiana, que ele diz ter visto na sua guerra particular para conquistar o “El
Dorado”. Pensando bem, a Ilha do Marajó é, literalmente, a imagem da cidade “Macondo”,
vivendo na solidão do tempo, aonde o progresso chegava a cada Cem Anos, na
visão do fantástico Gabriel Garcia Marques.
Nagib Charone Filho
Engº. Civil e Profº. da
UFPa.
nagibcharone@yahoo.com.br
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